terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O cachorrinho engraçadinho

Há coisa mais triste que um menino sem irmãos nem companheiros, fechado num apartamento? Foi por isso que a família resolveu arranjar um cachorrinho para brincar com o filho único. Os brinquedos, afinal, são máquinas e acabam por enfastiar; o cachorrinho é um brinquedo vivo, quase humano, o melhor amigo do homem. E veio o cachorrinho, muito engraçadinho. Todos o cercaram, encantadíssimos. Dizem que os cães sempre se parecem com seus donos, este se parecia com os donos, com os amigos dos donos e até com os empregados da casa. Não se pode ser mais amável. Era pretinho, lustroso, com umas malhas cor de mel em certos lugares do focinho e do corpo. Orelhas sedosas e moles, e um rabinho que o menino logo descobriu poder funcionar como manivela. E assim o utilizou.

O cachorrinho também parecia contentíssimo, e pulava para cá e para lá, e às vezes parecia um cavalinho em miniatura, mas era uma miniatura de Pinscher.

Não era só engraçadinho; era inteligentíssimo. Se lhe ensinassem, creio que chegaria a atender o telefone. Instalou-se no apartamento como se fosse o seu principal habitante. A vida passou a girar em torno dele. Deram-lhe coleira, casaquinho, osso artificial para brincar, puseram-lhe nome, compraram-lhe biscoitos. Talvez ele até entendesse o que diziam a seu respeito, pois a cozinheira reparou que a sua inteligência excedia a das criaturas humanas. Via-o fitar um ponto vazio, acompanhar uma presença invisível, para a qual latia, demonstrando ser um animal dotado de poderes sobrenaturais: um cãozinho vidente. Nessas condições, nem precisava entender a nossa linguagem: podia captar diretamente os pensamentos ...

O cachorrinho engraçadinho recebia as visitas com grande efusão. Mordia-as de brincadeira nas pernas e nos braços, às vezes puxava um fio de meia – mas era muito engraçadinho – dava saltos verticais que nem um bailarino, e, como estava na muda dos dentes, babava as pessoas com muito entusiasmo e de vez em quando deixava cair por cima delas um de seus dentinhos, tão brancos e primorosos que pareciam de matéria plástica.

Além de receber as visitas, o cachorrinho engraçadinho sentava-se ao lado delas, acompanhava com os olhos as suas expressões, despedia-se delas com muita gentileza.

Acostumou-se de tal modo à família que não quis mais dormir sozinho, passou a ocupar o melhor lugar das camas, como ocupava o das poltronas. E quis também comer à mesa, escolhendo uma cadeira e colocando as patinhas no lugar que a etiqueta recomenda, e que já bem poucas pessoas conhecem – como se pode observar em qualquer restaurante.

Até certo ponto o cachorrinho engraçadinho foi um divertimento, salvo quando molhava os tapetes ou almofadas.

Cecília Meireles

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