Fora o comprade Damião que lhe apresentara o dr. Artur. Velho conhecido, garantira-lhe os conhecimentos da lei e o poder da palavra. Aloísio contara-lhe estar sendo vítima da cobiça do coronel, na forma de uma ação de limites de terra. Sendo homem de paz, procurava a justiça. Não que fosse desses que baixam a crista diante de ninguém, mas porque reconhecia haver passado o tempo da repetição.
O dr. artur ponderara as dificuldades da causa. Lembrara o prestígio político e o poderio financiro do coronel. Mas Aloísio, intransigente, convencera o advogado da sua firme decisão em defender-se. Estava disposto. Dinheiro não seria problema, ficasse certo disso. Nem que fosse preciso comprar o juiz. Neste ponto, o dr. Artur levantou a voz para informar que o juiz da comarca era homem sério, íntegro, jamais aceitando suborno. Ao que Aloísio objetara: "Que nada, doutor; todo homem tem seu preço!".
O encontro fora há três meses. De lá para cá, fizeam-se petições e requerimentos. Audiências forma marcadas, direitos foram discutidos. Arrolaram-se testemunhas e ouviram-se depoimentos. e o processo engordava em informações e pareceres. O advogado contrário, numa hábil manobra, conseguira que o juiz que a colheita, na área litigante, fose suspensa. quando o oficial de justiça apresentou a notificação, Aloísio teve um acesso de fúria. "Como se atreve, moleque, vir à minha fazenda para proibir que eu colha o que é meu!" E antes que o representante da justiça disesse palavra, agarrou-o pelo colarinho. Os parentes acorreram, mas o homenzinho já tinha conseguido safar-se.
Aloísio deixara-se cair numa cadeira. Já não era o dono de sua própria terra. a segurança de sua velhice e de sua família estavam ameaçadas. O roubo, através do caxixe, batia finalmente à sua porta. Mas antes de o ladrão levar a melhor muita água ainda rolaria pela fonte. Ficassem certos disso. Não entregaria sua roça, o melhor pedaço dela, de mão beijada. Tinham que matá-lo primeiro. É analfabeto, reconhece. Grosseiro, mesmo quando pretende ser engraçado. Mas não é um estrupiço qualquer para que qualquer um chegue e lhe tome o que é seu. Usará a violência, se for preciso. e não será seu corpo que ficará estendido em curva de caminho, fazendo assombração.
"Seu Aloísio - dissera-lhe o advogado após o incidente - o senhor precisa entender que não é assim que se resolverá a questão. A suspensão da colheita, na área do conflito, éuma medida de praxe. O senhor deveria saber disso. Trata-se de medida de rotina. o senhor continua dono de sua terra, só que não pode colher". Aloísio admite, finalmente. Agora, mais calmo, ouve o homem da lei e pede esclarecimentos. Conta mais uma vez sua luta pioneira na conquista da terra. Não pode perdê-la assim sem mais nem menos. Foram anos metido nas brenhas, cabana no meio da mata,completando o de comer com carne de caça. Explicava com voz sumida, a fala entre os dentes. o revólver coçava-lhe na cintura. "Só mais quinze dias, seu Aloísio. Está-se fazendo o que pode. Confie em Deus e na justiça. a defesa está bem fundamentada. Já se marcou a audiencia final. Vá para casa e só venha no ia combinado".
Aloísio levantou-se e apanhou o chapéu no cabide da parede. Confiava no homem, embora tivesse dúvida sobre o resultado final da questão. Há dias pensava em dizer aquilo ao advogado. Diria? Disse: "Doutor, o senhor me deculpe, mas tenho na roça uns porquinhos de chiqueir, criados com mimos e umas aves que a mulher cuida com muito gosto. Quem sabe não poderíamos mandar pelo menos um peru para o juiz!". "Nem pense numa coisa dessa, objetou o advogado; não vá botar os burros n'água, estragando tudo. Já lhe disse que o juiz é pessoa íntegra e não aceita subornos. seria uma loucura pensarmos nisso".
O encontro com Dagmar não tivera o ardor das outras vezes. duas horas mais tarde, tomou o caminho da casa do dr. Artur. o percurso pareceu-lhe mais longo, tão longo e cansativo quanto a viagem de trem. Durante a caminhada, evitava encontros com conhecidos e a passagem por lugares habituais. sua mão conferia instintivamente a presença da arma.
A noite já cobria por inteiro a cidade quando chegou à casa do advogado. Uma aragem adocicada vinha das bandas do porto e um arrepio percorria-lhe o corpo. Que diabo faz esse doutor que não vem abrir logo a porta? - pensa. Bate com mais força. O advogado aparece, finalmente. No rosto, um sorriso largo de vitória. O convite para entrar e o abraço.
-Parabéns, seu Aloísio. Vencemos a causa!
Sem jeito, encabulado, um esgar idiota na boca e a voz estrangulada no peito.
Por fim, desabafa:
-Foi o peru, doutor, foi o peru!
-Que peru, homem? - indaga o advogado.
-O peru que mandei para o doutor juiz.
-Não, não é possível! - berra o causídico.
-Sim, foi o peru, o senhor pode estar certo - explica Aloísio. -Mas saiba o senhor que eu mandei a ave em nome do coronel.
José Aroldo Castro Vieira
O dr. artur ponderara as dificuldades da causa. Lembrara o prestígio político e o poderio financiro do coronel. Mas Aloísio, intransigente, convencera o advogado da sua firme decisão em defender-se. Estava disposto. Dinheiro não seria problema, ficasse certo disso. Nem que fosse preciso comprar o juiz. Neste ponto, o dr. Artur levantou a voz para informar que o juiz da comarca era homem sério, íntegro, jamais aceitando suborno. Ao que Aloísio objetara: "Que nada, doutor; todo homem tem seu preço!".
O encontro fora há três meses. De lá para cá, fizeam-se petições e requerimentos. Audiências forma marcadas, direitos foram discutidos. Arrolaram-se testemunhas e ouviram-se depoimentos. e o processo engordava em informações e pareceres. O advogado contrário, numa hábil manobra, conseguira que o juiz que a colheita, na área litigante, fose suspensa. quando o oficial de justiça apresentou a notificação, Aloísio teve um acesso de fúria. "Como se atreve, moleque, vir à minha fazenda para proibir que eu colha o que é meu!" E antes que o representante da justiça disesse palavra, agarrou-o pelo colarinho. Os parentes acorreram, mas o homenzinho já tinha conseguido safar-se.
Aloísio deixara-se cair numa cadeira. Já não era o dono de sua própria terra. a segurança de sua velhice e de sua família estavam ameaçadas. O roubo, através do caxixe, batia finalmente à sua porta. Mas antes de o ladrão levar a melhor muita água ainda rolaria pela fonte. Ficassem certos disso. Não entregaria sua roça, o melhor pedaço dela, de mão beijada. Tinham que matá-lo primeiro. É analfabeto, reconhece. Grosseiro, mesmo quando pretende ser engraçado. Mas não é um estrupiço qualquer para que qualquer um chegue e lhe tome o que é seu. Usará a violência, se for preciso. e não será seu corpo que ficará estendido em curva de caminho, fazendo assombração.
"Seu Aloísio - dissera-lhe o advogado após o incidente - o senhor precisa entender que não é assim que se resolverá a questão. A suspensão da colheita, na área do conflito, éuma medida de praxe. O senhor deveria saber disso. Trata-se de medida de rotina. o senhor continua dono de sua terra, só que não pode colher". Aloísio admite, finalmente. Agora, mais calmo, ouve o homem da lei e pede esclarecimentos. Conta mais uma vez sua luta pioneira na conquista da terra. Não pode perdê-la assim sem mais nem menos. Foram anos metido nas brenhas, cabana no meio da mata,completando o de comer com carne de caça. Explicava com voz sumida, a fala entre os dentes. o revólver coçava-lhe na cintura. "Só mais quinze dias, seu Aloísio. Está-se fazendo o que pode. Confie em Deus e na justiça. a defesa está bem fundamentada. Já se marcou a audiencia final. Vá para casa e só venha no ia combinado".
Aloísio levantou-se e apanhou o chapéu no cabide da parede. Confiava no homem, embora tivesse dúvida sobre o resultado final da questão. Há dias pensava em dizer aquilo ao advogado. Diria? Disse: "Doutor, o senhor me deculpe, mas tenho na roça uns porquinhos de chiqueir, criados com mimos e umas aves que a mulher cuida com muito gosto. Quem sabe não poderíamos mandar pelo menos um peru para o juiz!". "Nem pense numa coisa dessa, objetou o advogado; não vá botar os burros n'água, estragando tudo. Já lhe disse que o juiz é pessoa íntegra e não aceita subornos. seria uma loucura pensarmos nisso".
O encontro com Dagmar não tivera o ardor das outras vezes. duas horas mais tarde, tomou o caminho da casa do dr. Artur. o percurso pareceu-lhe mais longo, tão longo e cansativo quanto a viagem de trem. Durante a caminhada, evitava encontros com conhecidos e a passagem por lugares habituais. sua mão conferia instintivamente a presença da arma.
A noite já cobria por inteiro a cidade quando chegou à casa do advogado. Uma aragem adocicada vinha das bandas do porto e um arrepio percorria-lhe o corpo. Que diabo faz esse doutor que não vem abrir logo a porta? - pensa. Bate com mais força. O advogado aparece, finalmente. No rosto, um sorriso largo de vitória. O convite para entrar e o abraço.
-Parabéns, seu Aloísio. Vencemos a causa!
Sem jeito, encabulado, um esgar idiota na boca e a voz estrangulada no peito.
Por fim, desabafa:
-Foi o peru, doutor, foi o peru!
-Que peru, homem? - indaga o advogado.
-O peru que mandei para o doutor juiz.
-Não, não é possível! - berra o causídico.
-Sim, foi o peru, o senhor pode estar certo - explica Aloísio. -Mas saiba o senhor que eu mandei a ave em nome do coronel.
José Aroldo Castro Vieira
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